18 de agosto de 2009

4º Dia, 5º, 6º, 7º...

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..........Os dias lá dentro passavam continuamente como acontece sempre aqui fora. As coisas rapidamente viram rotina e conquanto nada de anormal acontecia eu ia perdendo a noção de tempo que me restava. Nada de muito diferente ocorria, sequer o peso mudava (essa era a parte que estava me deixando desesperada), mas vasculhando minha memória me relembrei de um facto que muito me afetou. Não me lembro exatamente o dia, mas mesmo lutando contra minha memória lembro-me perfeitamente bem de como ocorreu...
.........Devia ser um Domingo, porque me lembro de ter ligado para minha mãe logo cedo e de ter escutado o Padre Marcelo com a mãe Jandira. Era quase uma da tarde quando minha mãe chegou lá, me deu um abraço e se aconchegou em meu leito. Fiquei sentada lá com ela um tempo conversando sobre as coisas de fora quando uma mulher ao lado começou a gritar, ela acompanhava sua mãe, que começara a passar mal parecendo perder o ar. Foi estranho, porque ao mesmo tempo que foi rápido, aos meus olhos estava tudo em câmera lenta, seguindo o olhar de agonia daquela senhora que não conseguia mais respirar... Logo os enfermeiros começaram a entrar e a colocar os acompanhantes para fora do quarto, minha mãe entrou nessa junto com as pacientes que conseguiam andar. Bem, eu estava ligada à minha máquina (ainda era um robocop todo conectado na cama) e me vi sozinha e obrigada a acompanhar todo o processo.
..........Saem pessoas, entram máquinas... coisas de que nunca tinha visto e outras que comumente aparecem na TV. Começaram então a ressuscitação com choque, drenagem do pulmão, mas de nada resolveu. Escutei a enfermeira chefe, Meire, dizendo que bastava, é ela estava morta. Às 13:47, o tempo parou, seus olhos pareciam seguir diretamente aos meus, vidrados, ainda vívidos e úmidos, mas eram só os olhos. Parecia meio surreal tudo aquilo, e comecei a me perguntar o pq de tudo, se era tudo tão rápido. Pareceu-me até mesmo indolor.
..........Seu corpo coberto, Meire se lembrou de mim, a única paciente que permanecera na sala (sem contar Dona Ernestina que estava em coma), ela veio conversar, tentando inutilmente me distrair com perguntas fúteis e sem interesse algum. Mas meus olhos ainda estavam parados nela, junto com meus pensamentos. Só minha voz respondia, porque racionava para a maca chegando, o barulho gelado que ela fazia, o corpo embrulhado sendo depositado ali, como se não fosse mais importante foi levada embora. Acabou, a cortina se fechou para aquela mulher tão rápido quanto abriu, e pensei se ela tinha ao menos realizado algum sonho enquanto ainda tinha tempo. Pelo choro da filha, percebi que não. É engraçado, como tudo acontece tão rápido, mas como é uma eternidade para quem permanece.
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..........Porque me lembrei deste fato, não sei. Mas com certeza foi um dos acontecimentos que mais me chocaram quando estava lá dentro, porque naquele dia a morte passou por mim como uma brisa leve, ao lado, e pela primeira vez agradeci por ela não ter me encontrado ali. Mesmo que agora, eu tema que ela se vire para mim.
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..................................................."Só quem já cruzou desertos
.................................................saberá chorar em frente ao mar"
................................................................. Jorge Vercillo
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